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Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza, diz que é socialista desde os 10 anos

Publicado em atualizado em 20/02/2022 às 18:48

(UOL-MINA) Luiza Trajano sabe colocar suas ideias (em geral, muito boas) com precisão e transparência, mérito que lhe ajudou ser quem é: a principal voz do empresariado brasileiro, chegou ao posto de segunda mulher mais rica do país em 2019 (dona de um patrimônio estimado em R$ 23 bilhões) e em 2021 foi eleita como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista americana Time.

Presidente do Conselho Administrativo da rede varejista Magazine Luiza, a empresária se agigantou na pandemia, depois de um princípio de burnout, utilizando sua energia agregadora para se exercitar no campo político. Este mês, foi tema de uma reportagem extensa do jornal The New York Times, que a descreve como uma defensora implacável das vacinas, destacando a sua mobilização para pressionar o governo a agir rapidamente e imunizar a população.

Na mesa de seu escritório ficam montados dois ring ligths o tempo todo. Luiza é pop. Nos meses de isolamento, fez mais de 400 lives para seu canal do Youtube, debatendo assuntos de interesse nacional, entre eles o da importância da política de cotas para negros. Em 2020, destinou 100% das vagas do programa de formação de líderes da empresa para candidatos negros. “Aprendi muito cedo o que é empatia, trabalhei durante um longo tempo no balcão. Empatia é você trocar com o outro, no mundo do outro”, diz ela.

Membro fundadora do grupo Mulheres do Brasil, prepara-se agora para lançar a campanha “Pula pra 50”, uma ação que pretende estimular o crescimento do número de representantes mulheres na política nacional para 50% (hoje, ele gira em torno de 12%). Apesar de estar sempre querendo “aumentar a régua”, diz que leva a vida evitando criar expectativas e idealizações (“não queria que meus filhos achassem que eu era a melhor mãe do mundo e nem cobrava deles para que fossem os melhores filhos”). Também garante que mantém sua energia direcionada e concentrada no que está fazendo. “Sou de viver o presente”.

Burnout é uma palavra do momento. Você já teve?
Acho que tive um burnout quando estourou a pandemia. Fiquei meio paralisada nos primeiros dias, aquilo me pegou muito de surpresa, não conseguia entender o que estava se passando, coisa que não é normal para mim. E minha intuição ali, me dizendo que aquilo tudo seria muito sério e transformador. Foi um choque.

Como faz para se reequilibrar nesses momentos?
Busco o equilíbrio na minha vida sempre, mas claro que tem os momentos que fico perdida, confusa e desequilibrada. Quem me conhece sabe que eu posso me desestabilizar, mas tenho a capacidade de voltar ao eixo rápido. Para quem leva uma vida como a minha, de muita atividade, isso acontece, às vezes, né? Mas quando percebo que estou atingindo um estresse exacerbado, eu paro e descanso.

O bom é que sou do tipo que me recomponho logo. Tenho autocontrole, me conheço e consigo me desligar antes de ultrapassar o meu limite. Naturalmente, também tenho muita energia, durmo pouco, não tenho preguiça. Isso tudo ajuda a me manter equilibrada.

Dormir pouco faz bem para você? Quantas horas você dorme? 
Durmo de 4 a 5 horas por dia, mas sempre foi assim, não é de agora. Isso me ajuda porque consigo usar bem o tempo para me dedicar às coisas que quero e que são importantes para mim. Meu tempo acordada é bem maior do que meu tempo dormindo.

“Se socialista é quem é a favor da igualdade social, sou socialista desde os 10 anos”

O que ajuda você a limpar a mente?
Eu me distraio fácil com as coisas, não sou só trabalho. Gosto de ler, de assistir filmes água com açúcar, por exemplo. É uma coisa que me ajuda a relaxar. Não sou de ver filme tenso, mesmo que seja muito bom, porque normalmente já tenho um dia muito tenso.

Ao longo de sua trajetória como empresária, você foi muito atingida pelo machismo? Descobriu formas de se blindar? 
Sou de uma família em que as mulheres sempre trabalharam. Isso ajudou a me blindar porque sou muito feminina para administrar. Como não trafego no jeito masculino de ser, os homens não se sentem ameaçados. Sempre busquei a melhor forma de me expressar e me impor respeitosamente. Não me irrito, mas nunca deixo qualquer situação de reprodução do machismo passar batido. Nunca deixo barato, reajo e me coloco na hora.

Você é feminista?
Se ser feminista é ser a favor da igualdade entre homens e mulheres, sou sim. Mas temos que tomar cuidado com as palavras. Por exemplo, o termo socialismo. Um dia desses me definiram como uma “empresária socialista”. Olha, se socialista é quem é a favor da igualdade social, sou socialista desde os 10 anos. 

Fale mais sobre o seu lado socialista.       
Nesse sentido, sou completamente a favor das cotas, por exemplo, como um processo transitório para acertar desigualdades, tanto em relação aos negros, quanto às pessoas com deficiências, às mulheres. Essa é uma posição transitória. Se houve uma escravidão de quase 400 anos, com uma abolição que não existiu e que deixou marcas terríveis na nossa sociedade, é preciso oferecer oportunidades. Senão, não tem jeito. E muitos dos processos históricos do nosso país tornaram-se crenças limitantes, das quais temos que nos libertar.

Você tem flertado com a política e a política tem flertado com você nos últimos tempos. Isso lhe causa medo?
Medo não, mas sei que não quero entrar na política partidária porque acho que para isso é preciso ter uma vivência anterior nesse universo e aceitar negociar sempre, o que é normal nesse mundo. Só que, para mim, uma coisa é você precisar alinhar interesses, outra coisa é ter de negociar e ceder em algo que não gosta e não acredita. Por isso, minha atuação política segue muito na linha do trabalho de sociedade civil. Particularmente, sou uma política desde menina, por isso mesmo eu investi muito nesses últimos 8 anos no grupo Mulheres do Brasil. Todas as transformações do mundo vieram através de uma sociedade civil organizada, não existe uma pessoa que vai lá e salve a pátria sozinha.

“Não sou candidata, mas sou uma política”

Então, não pretende mesmo se candidatar a nada?
Isso é algo que eu tenho falado muito, não sou candidata, mas sou uma política. E acredito que vamos fazer diversas coisas ainda este ano e estar muito presentes, porque nós não somos A, B ou C, somos um projeto com um número grande de mulheres envolvidas, muitas de nós líderes no Brasil e no mundo. Então, o Mulheres do Brasil tem força para fazer propostas para o Governo, para o Senado e tudo mais..

Você é um exemplo para as executivas do Brasil. E sabemos que o país ainda tem poucas mulheres em presidências, diretorias e posições de comando. Sente que isso está mudando na velocidade que deveria?
Não sei se é na velocidade que deveria. Sei que, pós-pandemia, houve dois lados, a mulher que ficou em casa vítima de violência, e essa realidade piorou bastante. E a mulher que ficou muito em evidência politicamente e também nas empresas. A pandemia acelerou a gestão mais orgânica que já vinha acontecendo. E todo mundo percebeu que a mulher está muito mais preparada para a gestão orgânica. O avanço das mulheres vem sendo conquistado gradativamente. Há oito anos, parecia que eu falava grego quando dizia “vamos fazer um grupo de mulheres”, era uma coisa muito distante. Hoje em dia, o grupo Mulheres do Brasil está com cento e tantas mil mulheres e é tudo mais fácil. O cenário é diferente, de quatro anos para cá, muita coisa mudou. 

Quais são as ações do grupo Mulheres do Brasil para aumentar a representatividade feminina no Congresso ou termos mais CEOs mulheres liderando corporações?
Este ano, vamos adentrar mais firmemente na política para que possamos ganhar representatividade dentro das nossas premissas, que são liberdade, igualdade, democracia, educação e saúde para todos. O nosso grupo procura fazer uma campanha muito forte que chama Pula para 50 e busca ocupar 50% de cadeiras efetivas do Congresso Nacional com mulheres. E mesmo que tenhamos 30% em um primeiro momento, vamos aumentando a régua, já que hoje temos 12% de mulheres na política.

Pessoalmente, quais foram suas dificuldades para conseguir ser uma liderança empresarial, enquanto criava três filhos. Como foi essa fase para você? Teve culpa envolvida?
Minha mãe me ajudou a trabalhar essa culpa quando eu tive meu primeiro filho. Ela me dizia para não me preocupar porque não há modelo maternal perfeito. Não senti culpa porque dei o meu melhor na maternidade, assim como eu procuro fazer em todas as instâncias da minha vida. Também nunca busquei criar expectativas, não queria que meus filhos achassem que eu era a melhor mãe do mundo e nem cobrava deles para que fossem os melhores filhos. Não gosto de ficar alimentando expectativas, utopias. Filho é algo que você não tem controle. Não mandei meu filho trabalhar aqui na empresa, por exemplo, apesar de muita gente achar que isso aconteceu. Na verdade, ele só veio porque quis. 

Você também aplica essa não-expectativa às relações pessoais?
Busco não achar que uma relação vai ser a melhor coisa do mundo ou que a pessoa com quem estou me relacionando é infalível. Sou de viver o presente. Isso não quer dizer que eu seja racional no relacionamento, não sou nem um pingo. Mas acho que eu aprendi muito cedo o que é empatia, trabalhei durante um longo tempo no balcão. Empatia é você trocar com o outro, no mundo do outro. Por exemplo, quando você chegou, eu logo me coloquei no seu lugar, me arrumei para dar essa entrevista, me perguntei como você gostaria de ser tratada. Isso é muito automático para mim, pois fiz isso a vida toda. Então, quando você troca de verdade, as expectativas ficam em um lugar mais real e conseguimos estar realmente presente nas situações. Esse comportamento me ajuda a ter a energia concentrada e direcionada. 

É a lógica de viver o momento presente. Você faz ioga, medita?
Não. Mas tenho muita preocupação com o lado emocional e criei meus filhos assim, nunca quis que eles fossem o primeiro da turma ou que estudassem nas principais escolas. O que eu queria é que tratassem as pessoas bem, que se comprometessem com seus afazeres e que estivessem presentes em suas relações. É isso, cuidar do lado emocional é muito sério e importante.

“Acredito que a saúde mental é mais importante que a física”

O respeito à saúde mental é um assunto urgente a ser debatido hoje nas escolas e nas empresas, concorda?
Acredito que a saúde mental é mais importante que a física. Tendo a primeira, a segunda pode ser mais facilmente adquirida. Aqui na nossa empresa, sempre tivemos a preocupação com o lado emocional, além disso, acreditamos que aumentar o nível de consciência dos funcionários, para uma melhora na saúde mental. Nos preocupamos com a mobilização das pessoas. E a Covid deixou uma lacuna emocional muito grande na vida de todo mundo. Sempre comento nas minhas palestras que ainda não dá para perceber o estrago que essa pandemia causou nas nossas vidas. Acho que ainda vai levar uns 80 anos até a gente entender o que aconteceu.

Em um país como o Brasil é complicado falar de bem-estar. Mas não falar é pior ainda, né? O que é bem-estar para o brasileiro hoje?
Depende. Bem-estar, hoje, para a maioria dos brasileiros é ter comida na mesa e uma casa para morar, tendo em vista que na pandemia essa situação piorou muito para a maioria das pessoas, sobretudo, no sertão. Nós temos um déficit de habitação de 20 milhões de moradia. Então, para mim, bem-estar é ter oportunidade de partida. Quer dizer, primeiro é necessário ter o básico e, a partir dai, o bem-estar diz respeito à alimentação saudável, fazer exercícios que gosta, cuidar da natureza e se sentir bem perto dela, etc.

Conte sobre uma coisa que você gosta muito de fazer por prazer. Tem algum hobby?
Gosto demais de tudo que é lazer aquático, lancha, jet-ski. Eu piloto, adoro estar na água.

“Tirei 3 anos sabáticos de exercício, mas voltei porque eu sei que preciso”

Existe algo que você fazia contrariada, mas que não faz mais?
A única coisa que eu faço contrariada é ginástica (risos). Não gosto de jeito nenhum. Fiquei 10 anos fazendo, depois tirei 3 anos sabáticos de exercício, mas voltei porque eu sei que preciso, pelo menos duas vezes por semana. Por mais que eu não goste, quando estou me exercitando, estou inteira lá. Se eu me disponho a estar, estou por completo. Porém, não é uma coisa que eu acordo e penso: Ai, que delícia! 

Você se acha bonita? Isso é importante para você?
Como eu fui criada para o trabalho e a família não era vaidosa, tive que desenvolver na terapia esse meu lado. Ao longo da minha vida, precisei me esforçar muito para ser mais vaidosa e não me descuidar. Hoje, eu me acho ótima! Sou filha única, então tenho uma autoestima maravilhosa!

Como você lida com a moda hoje? Você gosta de comprar roupas?
Já gostei mais, já fui mais impulsiva para compras. Hoje, ganho muita coisa das próprias marcas, tanto roupa quanto sapato. Ganho coisas demais, é impressionante. Por isso, compro bem menos, apesar de gostar de uma coisa nova. Sou daquelas que compra uma coisa e já veste. Costumo falar para os mais jovens, para as minhas filhas: compre se puder, faça agora, goste de você.

Você tem 70 anos, viu a chegada da internet e das redes sociais. Essas mudanças foram um baque?
Não tive um baque, não. A vida toda tive uma atitude muito aberta para o novo, não sei o que foi, se foi minha criação… só sei que nada que é novo me baqueia muito, sabe? Claro, eu preciso me treinar para esse mundo novo. Então, eu me aprofundo, treino, eu mesma quero fazer para aprender. Com a chegada desse universo digital, vi que sabia pouco disso, assim fui estudar, comecei a entender melhor, aprender o que é bom e o que não é. Eu me adapto e entro rápido no novo. 

“Só respondo WhatsApp se for urgente. E se eu não quiser ler a mensagem, nem leio.”

O WhatsApp tumultua a sua vida?
Não tenho esse compromisso de responder mensagens toda hora. Por exemplo, se estou aqui com você, eu estou inteira, não fico olhando meu whatsapp. Tenho um tempo para isso, só respondo se for urgente. E se eu não quiser ler a mensagem, nem leio.

Na pandemia, você criou um canal no Youtube. Como veio essa ideia?
Muita gente falava para eu criar o canal, porque fiz mais de 400 lives ao longo da pandemia. E a ideia inicial foi noticiar as coisas boas que também estavam acontecendo no Brasil no momento pandêmico. Fiquei sabendo de muitas histórias bonitas de superação, então quis mostrar esses cases, para as pessoas terem como exemplo, como um farol. E foi nesse momento que eu criei o “Eu Nunca Pensei que…”, essa série de entrevistas no Youtube. 

Muita gente duvidou quando você disse, no início do ano passado, que até setembro de 2021 a maior parte da população brasileira estaria vacinada.
Realmente, não acreditavam nisso, achavam que eu estava doida de pensar em uma meta dessas de distribuição de vacinas para todos. Mas eu estava me movimentando dentro do grupo Unidos pela Vacina e já defendíamos a vacinação em massa no início de 2021 porque sabíamos que essa seria a melhor saída para o país. Fizemos grandes campanhas, investimentos e projetos em favor da democratização do acesso à saúde. Por exemplo, nós distribuímos 2 milhões de reais em produtos para o SUS em mais de 5 mil municípios. Ajudamos essas cidades a se equiparem para poder vacinar.

Essa mobilização entre o empresariado chegou a ser uma meta pessoal para você?
Minha meta pessoal era a de não me omitir, minha expectativa era de que eu não ficasse parada. Enquanto liderança, não queria ficar de braços cruzados durante uma pandemia. Queria poder agregar. E, hoje em dia, somos um dos países com a maior taxa de vacinação.

Recentemente, você disse que o SUS é o melhor sistema de saúde do mundo.
Agradeço e defendo muito o SUS. Em cada lugar desse Brasil, tem um trabalhador do SUS que faz de tudo para levar ajuda médica para alguém que precisa. É uma cultura que a gente não pode perder e que, até pouco tempo, vínhamos perdendo.

Qual a melhor coisa que a experiência traz?
Esses dias, achei legal o que uma pessoa falou para mim: “A dor de ensinar é maior do que a dor de aprender”. Profundo isso, né? É verdade que quando você está na fase do ensinar, você tem uma vida mais tranquila, porque você já viveu, então, sabe como são as coisas. Porém, você tem de ter paciência. Sou daquelas pessoas que deixa as outras viverem para aprender. Mas tem coisas que, diante da nossa experiência, sabemos que são desnecessárias, pois só atrapalham. Quando você está aprendendo, você vai lá faz, erra e acerta. Quando está ensinando, tem que dar o tempo para o outro, tem que esperar.

A experiência não alivia as dores?
Acho que alivia, sim. Em geral, a gente sofre menos. É igual filho: no primeiro a gente sofre bastante e no terceiro já está bem mais preparado. Assim é para quase tudo na vida.