
A Fazenda Roncador, localizada no município de Querência, no Vale do Araguaia, em Mato Grosso, já foi a maior fazenda de criação de bovinos do Brasil. Esse título, contudo, não é mais válido. Nos últimos três anos, os três irmãos Dalla Vecchia – Rosa, Thadeu e Ana -, herdeiros da propriedade, se dedicaram à tarefa de dividir o imóvel, um processo complexo que agora foi concluído no final de 2024.
Com uma área de 152 mil hectares — equivalente à do município de São Paulo —, a Fazenda Roncador foi comprada em 1978 por Pelerson Penido, o seu Penido, fundador da CCR, uma grande concessionária de rodovias. A fazenda, que um dia foi a maior na criação de gado do país, continua a ser famosa não apenas pelo seu tamanho, mas também por sua referência em pecuária sustentável dentro da Amazônia Legal. Gilberto Tomazoni, executivo da JBS, frequentemente menciona a fazenda em suas palestras e debates internacionais sobre práticas sustentáveis no agronegócio.
Após a divisão da fazenda, a área que ficou com Pelerson Penido Dalla Vecchia, filho de Rosa Penido, passou a se chamar Fazenda Roncador. Pelerson transformou a propriedade, que anteriormente dava prejuízo, em um negócio altamente lucrativo, sendo reconhecida como um exemplo de preservação ambiental. Hoje, a fazenda cobre uma área de 53 mil hectares e preserva quase 50% da sua vegetação nativa. Desde que adotou o sistema de integração lavoura-pecuária (ILP) há mais de 15 anos, a propriedade tem se destacado pela utilização de insumos biológicos e práticas sustentáveis em larga escala.
Para garantir a continuidade dos negócios, Dalla Vecchia implementou mudanças na gestão da nova Roncador, criando um conselho de administração composto por especialistas. O consultor Luiz Bouabci, a professora Wilma Bolsoni e o zootecnista Antônio Chaker integram o colegiado que auxilia nas decisões estratégicas da fazenda.
Além da Fazenda Roncador, na partilha entre os herdeiros, Pelerson assumiu 50% da Fazenda Mantiqueira, localizada em Pindamonhangaba (SP). No entanto, ele arrendou a outra metade da propriedade por 20 anos. Além de seu envolvimento com a pecuária, Pelerson também lidera a Calcário Vale do Araguaia, uma empresa de mineração com unidades nos municípios de Cocalinho e Nova Xavantina, em Mato Grosso. Para ele, a mineração não é apenas uma atividade rentável, mas também uma fonte importante de insumos para as práticas agrícolas na fazenda.
Mineração – A parceria entre a mineração e a agricultura da Roncador vai além do simples fornecimento de recursos. A fazenda está realizando experimentos para aumentar a produtividade no campo sem o uso de adubos formulados. Por exemplo, em uma das iniciativas, a Roncador testará o desempenho de cultivos utilizando apenas “silicálcio”, um pó de rocha extraído pela mineração, e esterco de gado, sem aditivos químicos.
Embora as dimensões da propriedade tenham diminuído, o espírito de “estação experimental” que Pelerson adota na gestão da fazenda permanece inalterado. Ele é enfático ao afirmar que seus experimentos são orientados para alcançar resultados financeiros, sem perder de vista a sustentabilidade e a inovação. “Nós fazemos muitos testes, medimos tudo, mas nada do que fazemos é em detrimento do resultado”, explica ele. “Nunca buscamos o resultado a qualquer custo”, acrescenta.
Em termos de inovação tecnológica, a Roncador está investindo em pivôs de irrigação, que cobrirão 4 mil hectares da propriedade. Esse investimento, que gira em torno de R$ 80 a R$ 90 milhões, é visto por Pelerson como uma forma de garantir segurança hídrica, funcionando como um “seguro” contra as variações climáticas. Além disso, a fazenda começará a investir em pequenas esmagadoras de soja modulares, com o objetivo de aumentar a produção de farelo de soja para a alimentação do gado. Esse farelo de soja, por sua vez, será utilizado para produzir esterco de melhor qualidade, que servirá como adubo para as lavouras.
Essas diversas iniciativas, muitas delas com caráter experimental, desafiam a lógica simplista dos modelos de negócios mais tradicionais, frequentemente seguidos por grandes empresas e fundos de investimento. Em vez de adotar soluções padronizadas e facilmente replicáveis, como muitos no mercado corporativo sugerem, Pelerson acredita que a chave para o sucesso está na inovação constante e na adaptação. “Nós fazemos essas coisas para elas darem resultado financeiro”, explica. “Se um projeto ficar bonito, mas não for financeiramente viável, ele não faz sentido.”
Embora seja um grande defensor de bioinsumos, Pelerson é claro ao afirmar que a produção da Roncador não é orgânica, nem é sua intenção torná-la orgânica. Ele defende que, quando necessário, é imprescindível o uso de insumos químicos. Ele faz uma analogia com a saúde humana: “É como tomar antibiótico quando ficamos doentes. A gente evita, mas não deixa de tomar se precisar.” Essa visão pragmática reflete sua abordagem equilibrada entre inovação, sustentabilidade e rentabilidade.
Com a reestruturação da fazenda e seus investimentos em novas tecnologias e práticas agrícolas, a Fazenda Roncador continua a ser um exemplo de como a agricultura e a pecuária podem ser geridas de forma sustentável e rentável. A propriedade pode ter perdido seu título de maior fazenda de pecuária do Brasil, mas continua a ser uma referência no setor, mostrando que é possível inovar, preservar o meio ambiente e obter bons resultados financeiros ao mesmo tempo.
(Com informações do Globo Rural)
(Foto: Ana Paula Paiva/Valor)