Brasil, 23 de novembro de 2024
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Artigo/Demóstenes Torres

Rosa Weber, devolva as flores que lhe dei

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Decisiva para se respeitar o princípio da presunção de inocência em 2019, a agora ex-ministra deixou um legado de bombas-relógio para os que permaneceram

Em dezembro de 2023, a revista Time publicou 3 belíssimas capas com a “Pessoa do Ano” e justificou: Num mundo dividido, onde demasiadas instituições falham, Taylor Swift encontrou uma forma de transcender fronteiras e ser uma fonte de luz”. O Poder360 grafou em título o espanto de ela ter superado Vladimir Putin, Xi Jinping e Barbie, a boneca que em filme virou empoderada como se forjam o presidente russo e o secretário-geral do Partido Comunista da China.

Em maio de 2024, não houve surpresa quando O Globo anunciou a ex-ministra Rosa Weber como a “Personalidade do Ano” de 2023. A justificativa foi exatamente o contrário da que ensejou a vitória de Taylor Swift: no 1 ano e 16 dias em que presidiu o Supremo Tribunal Federal, a laureada dividiu o mundo do poder, fez instituições falharem e encontrou uma forma de a Corte transcender fronteiras e se desgastar onde houvesse fonte de luz.

Agora, não adianta chorar o leite derramado, é preciso cuidar da herança maldita, como está fazendo seu substituto à frente do STF, Luís Roberto Barroso.

A mídia não agracia quem a desagrada. E o inverso também é verdadeiro. Rosa fez a alegria da turma ao impor uma pauta de costumes afeita à esquerda festiva e contrária ao bom senso e à população brasileira. Ao explicar a láurea, O Globo lembrou-se que, em sua posse na presidência do Supremo, ela prometeu a indígenas pautar a encrenca do marco temporal, que lhes restringe as terras às ocupadas ou disputadas antes da Constituição de 1988.

O IBGE informa que os povos originários, o termo politicamente correto para identificar os indígenas, têm 1 milhão de km² nos quais fazem o que querem, inclusive garimpar e vender madeira. Precisamente, 991.498 km², chão “maior que o território da França e da Inglaterra juntos”, compara o IBGE, e ainda sobraria área idêntica à da Noruega dos craques Haaland (do futebol) e Magnus Carlsen (do xadrez).

Ficou tão bom ser índio que, entre os censos de 2010 e 2022, a quantidade praticamente dobrou, passando de 896.917 para 1.693.535. O milagre da multiplicação foi obra da autodeclaração. No total, povos originários inclusos, a população do Brasil aumentou apenas 6,5% nesses 12 anos.

Na última vez em que o tema foi destaque, 18.000 índios receberam 1,75 milhão de hectares na reserva Raposa Serra do Sol, propriedade de fazendeiros que havia décadas colhiam por ano 152 mil toneladas de arroz. Você aí se sentindo um rei no apartamentão de 100 m² dividido por 4 com seu cônjuge e 2 filhos, enquanto cada integrante do povo originário em Roraima vive em 95 hectares, ou 950 mil metros quadrados. Detalhe: na contagem anterior do IBGE, 65% moravam em cidades. Aí, 1 milhão de indígenas vivem em 1/8 do território dos demais 214 milhões de brasileiros.

A ministra certamente achou minguado o terreno e deixou a bomba do marco temporal para os colegas que permaneceram, principalmente Barroso.

Diversos outros conflitos ficaram nos gabinetes, mas nenhum tão perigoso quanto o bitrem lotado de pólvora que Rosa Weber estacionou no plenário do STF, o aborto. Em voto longuíssimo, mal fundamentado, mal redigido, mal tudo, recordando os velhos tempos em que Sergio Moro era seu auxiliar, Sua Excelência deixou a relíquia que a catapultou para o posto de pessoa mais importante entre os 215 milhões de brasileiros, contados os indígenas.

Embora tenha votado para permitir “a interrupção da gestação realizada nas primeiras 12 semanas”, a justificativa indica uma perigosa relativização do direito à vida, que precede a qualquer outro. Maior, por exemplo, que a oportunidade de se reproduzir. Ou que os direitos humanos, dos quais costumam ejetar o principal, “onde demasiadas instituições falham”, como lembrou a Time.

Nos termos escritos pela ex-ministra, levados a um dos extremos que dividiu o país, permite a interrupção da gravidez até à véspera do parto. O radicalismo judiciário foi respondido no Congresso de forma ainda mais brutal, querendo que pré-adolescentes gestantes tenham pena de homicidas.

O Código Penal, um mausoléu de 1940, é mais avançado que esses pensamentos. Prevê que o aborto é legal em casos de estupro e quando a mãe corre risco de vida. O STF acrescentou os fetos anencéfalos. Chega. O contrário disso é transformar o Brasil num ringue. E já se sabe quem vai à lona, a parte humilde dos habitantes.

Aborto e marco temporal não foram as únicas cargas de dinamite que incitaram Executivo, Legislativo e Judiciário correndo cada qual para um lado. Veja-se a descriminalização das drogas, parte do método que começa em matar criança com pinça e jovem com cachimbo de crack.

Para uma guardiã da Carta Magna, Rosa Weber riscou o fósforo que está implodindo o artigo 2º da Constituição, que prevê independência e harmonia entre os poderes da União. Seu legado foi diferente. Assuntos que deveriam ser tratados única e exclusivamente pelo Congresso Nacional viraram rotina na Suprema Corte, verdadeiro poder moderador, embora contramajoritário. O equilíbrio aguardado dos luminares do direito se espatifava pela falta do notável saber e da obsessão em agradar a jornalistas e assemelhados.

Rosa Weber mereceu a honraria em 2019, quando foi decisiva para se respeitar o princípio da presunção de inocência. Num libelo memorável, foi a favor de não encarcerar alguém enquanto a sentença penal condenatória pudesse ser submetida a algum recurso. À época, escrevi aqui no Poder 360 o artigo Rosa Weber, receba as flores que lhe dou, elogiando o fato de cumprir sua tarefa de proteger a Constituição. Agora, peço de volta os ramalhetes, mesmo já murchos, não pelo tempo, mas pela vergonha.

Neste 2024, a ex-presidente do STF mereceu no máximo o emprego que lhe foi dado pelo governo no Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul. Na reportagem em que louva sua eleita, O Globo lembra que, “durante a votação do seu nome, Rosa ouviu de um então parlamentar da oposição ao governo Dilma [Rousseff] que não tinha ‘notável saber jurídico’”. Referia-se a mim, então integrante da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Suas atitudes no fim da carreira no Supremo mostraram que eu estava certo. Conforme prova o conteúdo de seu voto no caso do aborto, ela entrou e saiu do STF muito longe do nível dos colegas e de seu conterrâneo Lenio Streck. Alguém precisa apresentá-lo?