Após divulgar dados distorcidos sobre os repasses do governo federal para a área da saúde dos estados, Jair Bolsonaro acabou desmentido pelos governadores. Em carta, 20 dos 27 gestores estaduais, denunciam o uso da comunicação oficial do governo federal para “produzir informação distorcida, gerar interpretações equivocadas e atacar governos locais”, tudo isso em meio ao momento mais grave da pandemia de covid-19.
O documento é uma reação a postagens feitas, no domingo, nas redes sociais de Bolsonaro e da União, nas quais estariam valores repassados pelo governo federal a cada estado. Na tentativa de enganar a população, Bolsonaro incluiu nos recursos transferências que já pertencem às unidades federativas, conforme garantido pela Constituição. Foram incluídos também os valores repassados aos brasileiros para o auxílio emergencial, que só saiu do papel e chegou ao valor de R$ 600 mensais, em 2020, graças ao trabalho do Congresso Nacional e, em especial, dos partidos de oposição.
Leia a Nota Pública dos governadores:
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito.” (Artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.)
Os Governadores dos Estados abaixo assinados manifestam preocupação em face da utilização, pelo Governo Federal, de instrumentos de comunicação oficial, custeados por dinheiro público, a fim de produzir informação distorcida, gerar interpretações equivocadas e atacar governos locais. Em meio a uma pandemia de proporção talvez inédita na história, agravada por uma contundente crise econômica e social, o Governo Federal parece priorizar a criação de confrontos, a construção de imagens maniqueístas e o enfraquecimento da cooperação federativa essencial aos interesses da população.
A Constituição Brasileira, Carta maior de nossa sociedade e nossa democracia, estabelece receitas e obrigações para todos os Entes Federados, tal como é feito em qualquer federação organizada do mundo. No modelo federativo brasileiro, boa parte dos impostos federais (como o Imposto de Renda pago por cidadãos e empresas) pertence aos Estados e Municípios, da mesma forma que boa parte dos impostos estaduais (como o ICMS e o IPVA) pertence aos Municípios. Em nenhum desses casos a distribuição tributária se deve a um favor dos ocupantes dos cargos de chefe do respectivo Poder Executivo, e sim a expresso mandamento constitucional.
Nesse sentido, a postagem hoje veiculada nas redes sociais da União e do Presidente da República contabiliza majoritariamente os valores pertencentes por obrigação constitucional aos Estados e Municípios, como os relativos ao FPE, FPM, FUNDEB, SUS, royalties, tratando-os como uma concessão política do atual Governo Federal. Situação absurda similar seria se cada Governador publicasse valores de ICMS e IPVA pertencentes a cada cidade, tratando-os como uma aplicação de recursos nos Municípios a critério de decisão individual.
São mencionados também os valores repassados aos brasileiros para o auxílio emergencial, iniciativa do Congresso Nacional, a qual foi indispensável para evitar a fome de milhões de pessoas. Suspensões de pagamentos de dívida federal por acordos e decisões judiciais muito anteriores à COVID-19, e em nada relacionadas à pandemia, são ali também listadas. Já as reposições das perdas de arrecadação estadual e municipal, iniciativas também lideradas pelo Congresso Nacional, foram amplamente praticadas em outros países, pelo simples fato de que apenas o Governo Federal apresenta meios de extensão extraordinária de seu orçamento pela via da dívida pública ou dos mecanismos monetários e, sem esses suportes, as atividades corriqueiras dos Estados e Municípios (como educação, segurança, estruturas de atendimento da saúde, justiça, entre outras) ficariam inviabilizadas.
Em relação aos recursos efetivamente repassados para a área de Saúde, parcela absolutamente minoritária dentro do montante publicado hoje, todos os instrumentos de auditoria de repasses federais estão em vigor. A estrutura de fiscalização do Governo Federal e do Tribunal de Contas da União tem por dever assegurar aos brasileiros que a finalidade de tais recursos seja obedecida por cada governante local.
Adotando o padrão de comportamento do Presidente da República, caberia aos Estados esclarecer à população que o total dos impostos federais pagos pelos cidadãos e pelas empresas de todos Estados, em 2020, somou R$ 1,479 trilhão. Se os valores totais, conforme postado hoje, somam R$ 837,4 bilhões, pergunta-se: onde foram parar os outros R$ 642 bilhões que cidadãos de cada cidade e cada Estado brasileiro pagaram à União em 2020?
Mas a resposta a essa última pergunta não é o que se quer. E sim o entendimento de que a linha da má informação e da promoção do conflito entre os governantes em nada combaterá a pandemia, e muito menos permitirá um caminho de progresso para o País. A contenção de aglomerações – preservando ao máximo a atividade econômica, o respeito à ciência e a agilidade na vacinação – constituem o cardápio que deveria estar sendo praticado de forma coordenada pela União na medida em que promove a proteção à vida, o primeiro direito universal de cada ser humano. É nessa direção que nossos esforços e energia devem estar dedicados.
Brasília, 1º de março de 2021.
RENAN FILHO Governador do Estado do Alagoas
WALDEZ GÓES Governador do Estado do Amapá
CAMILO SANTANA Governador do Estado do Ceará
RUI COSTA Governador do Estado da Bahia
RENATO CASAGRANDE Governador do Estado do Espírito Santo
RONALDO CAIADO Governador do Estado de Goiás
FLÁVIO DINO Governador do Estado do Maranhão
HELDER BARBALHO Governador do Estado do Pará
JOÃO AZEVÊDO Governador do Estado da Paraíba
RATINHO JUNIOR Governador do Estado do Paraná
PAULO CÂMARA Governador do Estado de Pernambuco
WELLINGTON DIAS Governador do Estado do Piauí
CLÁUDIO CASTRO Governador em exercício do Estado do Rio de Janeiro
FÁTIMA BEZERRA Governadora do Estado do Rio Grande do Norte
EDUARDO LEITE Governador do Estado do Rio Grande do Sul
JOÃO DORIA Governador do Estado de São Paulo
BELIVALDO CHAGAS Governador do Estado de Sergipe